Assessoria IHGMG*

CÔNEGO RAYMUNDO TRINDADE

Por meio da Lei Estadual de Minas Gerais n. 22.837 de 4/1/2018, foi instituído o Dia Estadual do Genealogista, a ser comemorado anualmente em 20 de novembro, data do aniversário de nascimento do Reverendíssimo Cônego Raymundo Octávio da Trindade, pesquisador incansável que escreveu importantes trabalhos sobre a história e a genealogia mineiras, patrono da Cadeira n. 54 do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

O Cônego Raymundo Octávio da Trindade passou a interessar-se por história e genealogia como muitos de nós, lá pelos seus 12 ou 13 anos, numa conversa com seu avô materno, Francisco Ferreira da Trindade, que começou a lhe falar sobre os antigos, durante uma viagem de Barra Longa para Rio Doce, dando-lhe notícias dos primitivos povoadores da Zona do Carmo. 

Naquele dia ensolarado, nas proximidades da antiga fazenda do Bueno, nas margens do Rio do Carmo, seu avô, conhecedor das crônicas de Barra Longa e arredores, como um bom mineiro, recordou lendas, citou nomes e contou histórias pitorescas que marcaram o jovem Raymundo Octávio.

Aquelas informações passadas oralmente, como era a praxe da época, fizeram a imaginação do menino fluir. Segundo relato do próprio Cônego Raymundo Octávio da Trindade, naquele momento, vieram-lhe a mente gravuras de velhos livros, que, metaforicamente, se desprenderam de suas páginas e "desceram a povoar as margens do silencioso ribeirão".

Da lição ouvida de seu bondoso avô, surgiu, em Raymundo Octávio da Trindade, a "preocupação de conhecer bem esses antigos" e de "levantar do esquecimento os primeiros povoadores da região" em que nasceu.

Natural do povoado das Pedras, capela filial do Furquim, em Minas Gerais, Cônego Raymundo Octávio da Trindade era filho de José Pereira da Trindade e de Maria Belmira da Trindade, ambos primos. Iniciou seus estudos em casa, mas completou sua formação no Seminário de Mariana, ordenando-se sacerdote em 1908.

Em 1917, fez nascer sua primeira obra de cunho histórico, Monografia de Barra Longa, lugar onde exercia seu ministério paroquial. Assim, ele concretizou sua ideia de publicar a história da amada cidade de seus antepassados.

Porém, fez questão de registrar que, embora feita com boa vontade e com a preocupação de transmitir o que apurou de verdadeiro, não se tratava de uma "monografia acabada".

Foi vigário em várias cidades mineiras, sendo que, em 1923, transferiu-se para Mariana, onde foi tesoureiro-mor da catedral, secretário geral do arcebispado e dirigiu o arquivo eclesiástico por mais de 20 anos. Além dessas atividades, instalou e regeu, por 8 anos, em Ponte Nova, o Ginásio Dom Helvécio, então propriedade da Mitra Marianense.

Nos anos de 1928-1929, publicou Arquidiocese de Mariana, subsídios para sua história, volumoso trabalho dividido em três partes, resultado de cerca de quatro anos de sua grande dedicação e minuciosas pesquisas em fontes primárias.

Ao contrário do que pode parecer pelo título, essa obra, de quase 1700 páginas, é muito mais do que uma monografia diocesana ou de história eclesiástica. É um verdadeiro tratado da história de Minas Gerais e do Brasil, repleto de informações, dados biográficos e esclarecimentos históricos.

Nela, o Cônego Raymundo Octávio da Trindade dá notícias sobre a época dos bandeirantes, nas quais se vê que, em 1696, na margem do Ribeirão do Carmo, foi levantada uma cabana, por "caçadores" de ouro, no local que, mais tarde, tornou-se Mariana, primeira vila mineira. Trata da organização civil e eclesiástica da capitania em seus primórdios; dos visitadores e bispos do Rio de Janeiro que ali exerceram jurisdição; da criação da diocese e instalação do Bispado de Mariana em 1748, detalhando sobre a vida dos bispos que ali residiram. Fala, ainda, dos padres da Inconfidência e outros membros ilustres do clero, bem como traz relatos sobre o Seminário de Mariana, o renomado Colégio do Caraça e o Santuário de Congonhas.

Essa monumental obra serviu para divulgar a riqueza documental do arquivo eclesiástico de Mariana, muito utilizado pelas gerações de pesquisadores que lhe sucederam.

Foi na Cúria Episcopal de Mariana que, de fato, o Cônego Trindade pôde alargar a sua tendência para a genealogia. Membro do Instituto Genealógico Brasileiro e do Colégio Brasileiro de Genealogia, ele não se dedicava apenas ao estudo dos próprios antepassados. Sua pesquisa era bem ampla e de interesse geral, tendo deixado dezenas de trabalhos publicados.

Num primeiro momento, dedicou-se ao estudo de algumas famílias específicas, tais como Pontes, Andrada, Gomes Cândido, Belo, Martins da Costa, Ascendentes e colaterais do Tiradentes e outras. Em seguida, ele levantou genealogias de algumas regiões mineiras, que resultaram na publicação dos títulos Genealogias da Zona do Carmo e Velhos Troncos Ouro-pretanos.

Depois, ele ampliou seus estudos genealógicos, publicando Velhos Troncos Mineiros, em três tomos, totalizando mais de 1150 páginas, obra muito utilizada por aqueles que pretendem se inteirar sobre tradicionais famílias mineiras. São tratados nessa obra mais de 130 troncos de famílias estabelecidas em Minas Gerais, além de muitas outras a elas coligadas.

Na primeira parte da obra, fala de troncos paulistas, cujos descendentes passaram para as alterosas a partir da época do bandeirantismo, ligando-se a famílias locais. Depois, passa a cuidar de famílias propriamente mineiras, descendentes de portugueses que se estabeleceram em Minas Gerais a partir do século XVIII. No século seguinte, os mineiros se misturaram a algumas poucas - mas não menos relevantes - famílias de origem não lusitana. Eram irlandeses, franceses e pessoas da Península Itálica que por lá chegaram.

Milhares de descendentes dessa gente ainda vivem em Minas Gerais. Outros foram para o Rio de Janeiro, São Paulo e mais regiões do Brasil.

Creio que podemos afirmar, sem medo de errar, que temos descendentes de Velhos Troncos Mineiros vivendo, atualmente, em outros países, evidenciando, assim, o grande fluxo migratório que sempre existiu em nosso país e no mundo, fator muito relevante para os que pretendem se dedicar à história e à genealogia.

Não é por menos que, ao prefaciar os Velhos Troncos Mineiros, meu bisavô, Professor Carlos da Silveira (amigo do Cônego Trindade), pontuou que o estudante deve primeiro "saber quem é, de onde vem, para, em seguida, estender-se pela região, até abranger o país, e, afinal, o mundo inteiro, num alargamento constante e natural da pesquisa histórica".

O Cônego Raymundo Octávio da Trindade inaugurou em 1944 e dirigiu, por 15 anos, o Museu da Inconfidência, que, até hoje, funciona em Ouro Preto. Foi nomeado camareiro secreto do Papa João XXIII, em 1959, ano em que se aposentou.

Faleceu em Belo Horizonte, a 2 de abril de 1962, com 78 anos de idade, mas ainda pôde deixar-nos a 2ª edição, corrigida e ampliada, da sua Monografia de Barra Longa, aquela que considerou inacabada quando foi publicada pela primeira vez 45 anos antes.

O Cônego Raymundo Octávio da Trindade encontra-se sepultado no Cemitério das Mercês, em Mariana, e nos deixou precioso legado pelo qual certamente merecedora da nossa reverência.

SEMINÁRIO

Durante o II Seminário Mineiro de Genealogia, a ser realizado nos dias 9 e 10 de novembro de 2018, na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, em celebração ao Dia Estadual do Genealogista em Minas Gerais, será outorga a medalha Mérito Genealógico Cônego Raymundo Octávio da Trindade a renomados genealogistas, que dedicaram (ou ainda dedicam) sua vida a pesquisar famílias mineiras: Dr. José Guimarães, já falecido, cuja obra imortalizou as chamadas Três Ilhoas, troncos de importantes famílias mineiras; o associado efetivo do IHGMG, Dr. Deusdedit Pinto Ribeiro de Campos, estudioso da genealogia de Dona Joaquina do Pompéu; bem como a Sra. Marta Amato, que há décadas se dedica a pesquisas sobre inúmeras famílias mineiras, inclusive das Três Ilhoas, divulgadas em várias publicações.

Ano passado, a medalha foi concedida à Arquidiocese de Mariana, então representada pelo Arcebispo Dom Geraldo Lyrio Rocha; ao Cônego Raymundo Octávio da Trindade, in memoriam, representado por familiares; e ao próprio Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, para compor seu acervo.


* Texto de Carlos Alberto da Silveira Isoldi Filho - Titular da Cadeira n. 87 do IHGMG - patrono Basílio de Magalhães